Lili falava, hoje de manhã, sobre metamorfose, a lagarta e a borboleta, solução maravilhosa da natureza para de um ser feio sacar uma criatura tão bonita. Uma obra clássica da literatura, o Médico e o Monstro, fala exatamente dessa dualidade em cada um de nós, o bonito e o feio, aspectos que surgem e nos transformam. É assim mesmo, a gente é de um jeito e de repente parecemos outro. Aconteceu com meu amigo José em pleno feriado de Corpus Christi. Se você quiser ler vou contar como foi.
Nesta 5ª feira um grupo alegre de ciclistas saiu de Volta Redonda para fazer um “pedal asfáltico” até Santa Rita de Jacutinga, MG, 110 km. Meu amigo, homem responsável, com quatro dias de provas difíceis pela frente, decidiu voltar de N. Sra. do Amparo. Discretamente deixou os colegas seguirem no passeio e parou. Senhor organizado, ele havia planejado regressar por outro caminho. Pegar a estrada para Quatis até a fazenda Santana do Turvo por onde seguiria à esquerda até a trilha do Peixe e daí a sua casa. Mas não foi o que ele fez. Neste mapa do Google Earth estão marcados Amparo, a fazenda e o lugar onde José estava parado.
Enquanto estava ali, na entrada do caminho para Ribeirão de S. Joaquim, uma sutil transformação aconteceu com meu amigo. Começou por sua cabeça. Ao invés de seguir pelo trajeto planejado decidiu procurar outro caminho para a fazenda. Ouviu falar dele, mas nem sabia ao certo se existia tal ligação. No seu normal José não faria isso, sujeito sensato que é. Mas ele estava sofrendo uma metamorfose, transformava-se em Zé Perdido. Esta é a última foto que temos do fraterno amigo em sua roupa de ciclista neste dia santificado.
A intenção do outro era procurar um atalho, de preferência uma reta, ligando onde estava à Santana do Turvo. O caminho que ele tomou era uma senda estreita que servia vários sítios. Depois de ultrapassar porteiras e abrir cancelas passou a pedalar por trilhos em meio ao pasto aberto. Uma casa branca indicou o começo de uma boa estrada de chão. Mas para o tal isto era o que menos importava. Tomou à esquerda e pedalou até encontrar um sitiante que por acaso era vizinho de José. O homem explicou que a estrada logo acabava e começava uma trilha difícil onde teria de atravessar um riacho. E fez uma revelação que transtornou de vez a cabeça do tarimbado ciclista: o Sr. vai sair perto do Quilombo de Santana! Quem seguiu pra diante não era mais o ancião que tinha de chegar logo em casa para estudar. Era um aventureiro, alguém que não media consequências, era Zé Perdido. Nesta foto ele atravessa o córrego em sua bike. Ah, sim. Esse ente fantástico não pode ser visto. Há quem diga que é tão belo que encantaria todas as donzelas e outros há que afirmam ser ele de uma feiúra horripilante.
Varou capinzais, atravessou outros riachos e se arranhou em matas fechadas. Mas com a sorte dos loucos estava de novo numa estrada de terra. Dali avistou o viaduto da ferrovia do Aço, em Quatis, e tirou uma foto dando gargalhadas. Murmurava que Fabiano ficaria cheio de inveja por nunca ter fotografado aquela obra de engenharia por este ângulo.
E, com a velocidade de um Jorginho, num instante estava sob as colunas gigantes. Se fosse o amigo José tomaria o caminho da Dutra e pedalaria pelo asfalto. Mas não, o desmiolado seguiu outro trajeto. Também não foi o preferido do colega João Bosco, não. Ele pensou na trilha de Dona Marina, mesmo sabendo que a ponte tinha caído. E foi. Num piscar de olhos, tão rápido quando Rogério Tatu ele estava no alto da serra de São José fotografando o viaduto de um ponto de vista completamente diferente.
Desceu voando o antigo caminho tão percorrido pelo Clube Adventure e que os novatos no mountain bike nunca trafegaram. Tirou esta foto dele mesmo sentado na bike enfrente ao curral. Não dá pra ver o dito.
Passou pelo rio do Peixe atravessando-o duas vezes por causa da ponte destruída. A casa grande da fazenda Criciúma parecia mais desolada com a passagem do Zé Perdido. Nem mestre MP faria o percurso do Peixe mais ligeiro que este sujeito. Até agora o amigo José não tem noção de como chegou a casa e, finalmente, debruçou-se sobre suas apostilas.
Lembro uma história ralatada pelo amigo Pedrão. Sua mãe contava que é o Gênio Mau que mora dentro das garrafas de pinga que leva o biriteiro em casa, dizendo: Eu te trouxe são e salvo para poder te pegar de novo amanhã, ahahahahah. Vade retro, Zé Perdido.