A Natureza, forças descomunais e irreprimíveis, moldou o entorno de uma baia tornando-a muito bela para os olhos e corações humanos. Muito depois, em sua ânsia criativa, os primeiros seres inteligentes que aqui chegaram, olharam o relevo maravilhoso e idealizaram de que modo cada beleza natural serviria para dar-lhes prazer e encher seus peitos de emoções. Foi neste lugar lindo que pedalamos neste sábado, 19/11/2011, e que até nossa passagem não desaparecerá de nossas mentes e corações. Foi difícil conciliar o que os olhos viam: a pista por onde a bike corria, os caminhantes que dividiam a ciclovia conosco, os carros que corriam ao nosso lado nas ruas sem caminho para bikes e a beleza que se descortinava a nossa volta. Mas me deixe contar do começo.
Viajamos para o Rio de Janeiro às primeiras luzes da manhã. Íamos andar com os colegas de pedal de Barra Mansa e os acompanhamos pela rodovia Presidente Dutra que acordava. Fomos diretos para o magnífico Iate Clube do Rio de Janeiro que nos abriu as portas com muitas gentilezas. Carros estacionados, bikes descarregadas e montadas, um belo lanche natural, alguns discursos e muitas fotos nos deixaram coçando para sair pedalando pela Cidade Maravilhosa. E começou o desfile de belezas naturais.
Assim, os morros que formam o conjunto do Pão de Açúcar foram as primeiras atrações que admiramos. Formidáveis granitos que se formaram há 560 milhões de anos com o encontrão da placa africana com a americana – um pico de 395 metros de altura que os portugueses acharam parecido com um pão de açúcar e os outros mais baixos nos quais reconheceram um cão deitado (morro Cara de cão) – foram trabalhados e utilizados pelo homem como um maravilhoso parque de diversão aonde se sobe por um ascensor (o bondinho do Pão de Açúcar) que dá aos visitantes uma emoção visual e de altura inesquecíveis. Sendo impossível subir neles de bike seguimos adiante. A manhã estava nublada e o ar frio facilitava o esforço que íamos fazer.
Sempre sobre ciclovias chegamos à beira mar. Os pulmões ainda pouco exigidos tomaram porções do ar marinho às golfadas. Paralelos ao mar que bate nas areias há milênios corríamos entre os caminhantes que sorriam o tempo todo. Não há modo de andar no meio de tanta gentileza de Deus sem descontrair as feições e ficar de bem com todo mundo. E para pra tirar foto! A vontade de ficar ali era demais, mas as bikes pediam exercício e logo saímos da Princesinha do Mar e continuamos pelo Leblon e Ipanema. O grupo era grande e chamava atenção. Os colegas de Barra Mansa em uniformes vermelho, branco e azul e nós, de Volta Redonda, com nossa camuflagem de lagarto, fazíamos os turistas se voltarem e tirar fotos. O mar suspirava por nós.
Para conseguir passar de uma praia para outra entre os formidáveis granitos os edificadores da cidade precisaram cortar pedras e, para ir de Ipanema para o Arpoador, a estrada bem antiga e com pouco espaço obrigou a nos espremermos com ônibus, caminhões e muitos e muitos automóveis. Mas depois de uma curva eles surgem dominantes e próximos. Lá em Ipanema, sem saber se olhávamos a ciclovia, as belas cariocas e o mar esmeraldino, já os admiravamos á distância, a Pedra da Gávea e os Dois Irmãos. Agora, com as casas da comunidade da Rocinha pacificada escondidas pelos belos prédios ricos, olhávamos para o alto, presos ao mistério daquela pedra achatada. Minha infatigável bike tomava conta do caminho já que o ciclista nem olhava por aonde ela ia.
Tudo muito bem, tudo muito bom, mas quem anda de mountain bike sabe que esta atividade “é boa porque é ruim e fica melhor se piora”, então entramos pela estrada das Canoas. E aí, meu irmão, foi só subir e subir. Como disse o poeta “meu coração batia mais que tambor”, os pulmões resfolegavam pedindo ar pelo nariz e pela boca, as pernas e os pés mantinham o ritmo de máquinas bem azeitadas. No meu jeito gaiato perguntava aos nativos: onde fica o elevador?, e eles me respondiam com gaiatices próprias de quem nasce e vive entre o mar e a montanha: Ih, já passou, ficou lá embaixo!. Aí, chegamos a entrada do caminho para a Pedra Bonita de onde voavam alegres asas delta.
A subida pedalando foi para poucos, quase todos – eu inclusive – empurramos as bikes exprimidos por utilitários subindo e descendo trazendo ou indo buscar as asas que pousaram na praia depois de beijar as nuvens. Lá em cima, que visual! É preciso se segurar, pois nos dá uma vertigem e uma estranha vontade de saltar de bike e tudo. Parecendo um grande aeroporto o exíguo espaço estava atravancado de bolsonas com as asas para montar, com outras sendo montadas no chão, com instrutores treinando rapidamente seus passageiros atarantados, asas altaneiras esperando e pedindo pressa - doidas para pular de novo no vazio - e nós, quase quarenta ciclistas, que nos encostávamos a beirada da clareira olhando tudo com olhos curiosos e filmando as deltas que carregas pelos experientes guias tendo ao lado, agarrados a eles, os corajosos/medrosos passageiros, corriam pela rampa e saltavam no despenhadeiro. Meu Deus, que emoção ia naqueles peitos masculinos e femininos!
Mas chega disso, vamos descer! E despencamos pela ladeira quase a pique nos apertando ao meio-fio quando os utilitários passavam roncando pela subida ou se segurando pela descida. E agora? Em plena Floresta da Tijuca pegamos o caminho para direita e subimos e subimos numa inclinação mais camarada e depois descemos pouco até descortinar a inigualável paisagem do Rio na Vista Chinesa.
Depois de muitos ohs de admiração, queixos caídos, inúmeras fotos, risadas e comentários cheios de emoção voltamos sobre nossas rodas até a encruzilhada e desta vez tomamos o caminho da esquerda. Íamos vê-Lo de perto. Era o ponto alto de tanta subida e de tanta emoção. Corremos para ver o Cristo. Que caminhos lindos e frescos o desta floresta que foi devastada pelos homens e replantada por eles! É a pedreira altíssima ao nosso lado esquerdo e o visual sem igual da lagoa Rodrigo de Freitas, do hipódromo da Gávea e do mar e das montanhas ao lado direito. Gente, é lindo demais! Só descida e muitos belvederes. Macacos nos espiavam do cimo das árvores e nós os olhávamos de cima das bikes. Estávamos correndo pelas Paineiras.
Inúmeros ciclistas cariocas passavam por nós. Até a Denise estava lá! Que encontro prazeroso é achar um velho conhecido inesperadamente! E aí chegamos na estrada da subida do Corcovado para os que vem de carro e van. Dali do portão os visitantes de todas as partes do mundo precisam subir em vans que servem a este cartão postal da cidade, menos nós, os que andamos sobre bikes, que temos a liberdade de ir vir por todos os caminhos do mundo. Subimos com as vans no seu incansável ir e vir passando raspando por nós. Vez por outra Ele se deixava entrever entre a mata, as nuvens e a rocha. Figura imponente, representação á altura do mestre, que não foi só um instrutor dos homens, mas aquele que dirigiu a nossa criação e a natureza desde tentos imemoriais e que se dignou a vir viver entre nós, seus filhos.
Chegamos ao ponto de desembarque. Turistas saiam e entravam nas vans nos movimento incansável. Gente subia e descia as escadarias. Dali para diante as bikes não passavam, o ciclista perdia sua imunidade de livre viajante e tinha de pagar R$26,00. Tendo quase 68 anos subi com gratuidade e fui ver a imagem do Senhor meu pai de perto. Tirei uma foto ao lado Dele, cara! Quem sabe quando isto vai demorar para acontecer novamente?! Talvez se passem Éons de tempo até eu, pequeno ciclista, poder ter merecimento de tirar outra fotografia ao lado dele, em outro mundo, num lugar de sonhos, no ponto mais alto que um ciclista ou não ciclista pode chegar. Desci os degraus com nuvens e lágrimas passando pelos meus olhos.
Lá no largo, em meio aos colegas em burburinho, todo mundo se preparando e pegando as bikes, voltei a real. Descemos e descemos, os freios esquentando com o atrito seja nos discos seja nos aros. Em pouco o velho Rio surge nas ruas apertadas do Cosme Velho. Dos casarões antigos tem-se a impressão de que a qualquer momento sairá Machado de Assis com sua bengala e cartola. Desguiamos entre o trânsito intenso sem a proteção de uma ciclovia. Voamos nas Laranjeiras passando pela sede do Fluminense e pelo Palácio Guanabara. Voltamos ao Aterro na enseada de Botafogo. Passando por baixo da via expressa pegamos novamente a ciclovia com o clube do Botafogo á esquerda. Que vontade de ir e não ir, de pedalar e frear! O passeio estava terminando, o muro do Iate Clube se prolongou um tempo, chegamos ao portão 3 e entramos em alegre revoada. Meu Deus, como é bom ser ciclista!