bikenauta

Dezembro 31 2011

Sonho é uma sopa mágica

feita com ingredientes diversos.
Um bom sonho deve ter um quarto de realidade

e outro tanto de fantasia fabulosa,
uma colher bem cheia de ansiedade

e uma pequena de desejo integral,

pitadas de lembranças do consciente

e de terrores e pavores do inconsciente.

Use fermento de revelações espirituais,

mas não esqueça da doce esperança.

Finalmente, intuições e premonições à gosto.

Leve à cama e espere para ver tudo se tornar um caldo fantástico.

 

Neste sábado, última dia de 2011, quatro ciclistas saíram pedalando
e se realizou o sonho de todo ciclista. Por quase 100 km, sob um céu sem sol
forte e até com uma aragem gelada de maio, fomos transportados e vivemos o
sonho de tantos que andam de bicicleta. O visual pode ter ajudado nesta saída
da realidade, mas o fato é que fizemos todo o trajeto só com descidas. Pedalamos
sempre para o sul e cada curva mostrava uma ladeira mais convidativa. Dobramos
para leste e entre as árvores de restos da Mata Atlântica nos despenhamos como
doidos. Tornamos a virar para o sul e a descidona parecia não acabar mais.
Depois de uma bebida refrescante viramos para oeste, quem sabe o sonho acabava
e começávamos a subir? Que nada, o máximo que tivemos pela frente foi uma
estradona plana.

Em um lugar que uma ponte velha conduzia inevitavelmente para
uma subida, o que encontramos? O sonho criou uma ponte que suavizava todo o
caminho. Como era um circuito faltava virarmos à direita, no sentido norte. Não
havia escapatória, sempre teve um aclive forte bem ali, mas estávamos numa conversa
animada sobre a ida à Mangaratiba e quando demos pela coisa corríamos por uma
senda completamente plana.

Bem, lá estava a Dutra e o hospital regional quase pronto.
Em fim voltamos a realidade, Mas sonho ou não saimos do Roma descendo e
chegamos a Vila Rica com as bikes correndo sozinhas. Todos os quatro - João
Bosco, Edinho, Fabiano66 e eu - confessaram que estávamos bem cansados. Sonhar
é assim, nos deixa esgotados. E assim foi, depois de centenas de pedais durante
todo o ano, o nosso pedal do reveillon, o sonho de todo ciclista, foi uma trilha só
com descidas.

Feliz ano de 2012 para todos e que tudo seja um sonho onde tudo
se realizará, pois afinal, para baixo todo santo ajuda.

publicado por joseadal às 22:00

Dezembro 27 2011

Região dos Lagos, não é à toa que esta região do nordeste fluminense tem esse nome. Todo litoral neste trecho foi uma longa restinga que aprisionou em lagoas águas que descem das serras. Ontem rodeei duas delas como um amante carinhoso acaricia os seios da mulher amada. A primeira que circundar foi a de Saquarema, largo espelho feito para a lua mirar sua face prateada e o sol olhar envaidecido sua cabeleira dourada. Pela ciclovia fiz o círculo e querendo mais me desviei do manguezal que cerca a laguna e entrei por estradas de chão cumprimentando os caiçaras em suas primeiras atividades do dia.

Passei por Bacaxá com seu comércio intenso nestas festas natalinas e como quem dá uma rápida espiada entre os seios corri para a lagoa de Jacaré-Pia (em tupi, Jacarézinho ou filhote de jacaré). Demorei a chegar nela correndo pelas sendas onde mora o povo que vive do mar. Pensei no bem que nos prestou Guimarães Rosa nos contando da vida das gentes das veredas do grande sertão ao norte de Minas Gerais. Não me lembrei de ter lido nenhuma obra descrevendo literariamente as experiências dos caiçaras fluminenses. Perguntei a uns e outros qual era o caminho, afinal não queria dar uma de Zé Perdido nesta bela terra.

Lá estava a água aprisionada entre os morros e o mar. Pedalei em sua volta mas logo desviei para esquerda e peguei o caminho a beira mar. Fiquei preocupado de ver que uma outra lagoa comprida está quase seca. A estrada acabou e o caminho continuou pelo areal. Era empurrar e empurrar. As casas da praia de Itauna que era uma miragem distante foram se aproximando até que cheguei na última rua. Pronto, foi um pedal bonito e rápido. Cheguei para o almoço.

 

publicado por joseadal às 00:07

Dezembro 22 2011

A expressão “achar um amigo” ou esta outra, “fazer uma amizade”,
denotam algum esforço. Dependendo da disposição ou tipo de personalidade a
tarefa pode parecer fácil ou muito difícil. Vou contar uma experiência como
exemplo desta segunda hipótese.

Estou em Saquarema, paraíso de praias e lagunas no nordeste
do Estado do Rio de Janeiro. Passo uns dias fora do cotidiano de trabalho.
Vinha do mercado carregando as compras na bike quando um sujeito passa por mim
velozmente. Normalmente deixa-se ir o apressado, ainda mais quando estamos em
um lugar como turistas, num ritmo de vida diferente dos nativos. Mas estou a
procura de um colega pra pedalar. Esta busca parte de certos princípios: 1) primordialmente o sujeito deve estar sobre uma bike;
2) a bicicleta não pode ser muito mais gasta do que a que estou usando emprestada;
3) o ciclista deve parecer alguém que pedala bem; 4) o pretenso amigo de ter vários indicadores
especiais que mencionados aqui parecerão preconceituosos. O cara que passou voado
se encaixava no perfil de um bom colega para um mountainbike. Se quisesse
encontrar um amigo tinha que ser rápido. Dei um assobio com dedos enfiados na
língua. O cara freou e se voltou. Pronto, fácil assim.

Junior é bombeiro salva-vidas vizinho a casa em que estou
hospedado. Gosta de fazer uma trilha e por acaso (?!) convidara dois amigos da
mesma profissão para pedalar no dia seguinte. Tô dentro!, me convidei. Peguei o
celular dele para manter contato e cada um continuou seu caminho: eu
pedalando na coroa média e ele correndo na coroa grande e na menor relação.
Agora era curtir a praia até o dia seguinte.

Antes das seis horas já estava andando com Malu, depois tomei
um café com leite acompanhado de um pratão com banana amassada, mel, aveia e
linhaça, deixei o pessoal dormindo, montei na velha bike e sai com o aro
empenado raspando de leve no freio. A vila com a barra de entrada da água para
a lagoa, a igreja de Nossa Senhora de Nazaré no alto do rochedo e um homem
jogando sua rede era uma imagem pra ser guardada, tanto na retina quanto no computador.
Saquei minha máquina e fiz pose de pescador. Passei pela ponte e cheguei na
praça do encontro com os novos amigos. Mas cadê eles?? Liguei pro celular.

Logo estava com os novos amigos e conhecendo o Mexicano. Saímos
os três pela beira mar forrada de paralepípedo. O Sol levantou-se mais um pouco para
nos ver pedalando e conversando. Zé botou as ‘manguinhas de fora’ falando dos
pedais que fizera no ano anterior subindo sozinho (e Deus) a serra do Mato
Grosso nesta mesma ‘magrela’ velha como eu. Senti uma leve troca de olhar entre
os dois, algo como uma troca de mensagem em código entre dois militares: esse cara mente
mais que pescador em Saquarema! Então, para “não perder os amigos” recentemente
encontrados tive de me esforçar nos pedais. Mesmo tirando fotos não os perdia
de vista. Ah sim, ficou combinado que íamos só (só??) até Ponta Negra. Não
podia reclamar, dava pra vê-la diminuta e meio encoberta por um nevoeiro.   

Passamos por Jaconé e continuamos. A ponta ainda estava
longe. O mar verdinho batia na praia marcando nosso ritmo em compasso binário alegro vivíssimo.

O caminho era pouco trafegado e depois de uma porteira a estrada calçada por bloquetes e ensobreada
de amendoeiras era só para os três ciclistas. A ponta, um acidente geográfico
criado com arte pela mãe Natureza era agora uma muralha alta dentro do mar à
nossa esquerda. Na entrada da cidade tomamos o caminho da subida. Acompanhar
dois bombeiros que se exercitam todos os dias, que estão na faixa dos quarenta
anos (que deixei pra trás faz tempo) e em bikes de alumínio com 27 marchas, em
meu camelo de ferro enferrujado e 18 marchas não era tarefa fácil, mas quem não
quer “desfazer uma amizade” tem de acompanhar. Incorporei o amigo Jorginho, fiquei de
pé e fiz força nos pedais. Logo, a cidade e sua barra de rio se mostrava bela e
colorida lá embaixo.

Ao longe, seguindo a linha da praia e esforçando a vista,
aparecia a Pedra da Gávea da qual passei pertinho há alguns domingos. Comentei
o fato e agora eles trocaram um olhar que parecia dizer: é, o coroa deve ter
andado lá mesmo!

Na construção de uma nova amizade precisa-se contar com a
boa sorte. Se o tempo tivesse virado e uma chuva fria estivesse castigando a
gente a “amizade teria esfriado” na hora. Mas se as circunstâncias favorecem a “amizade
se firma”. E quer coisa mais ‘boa sorte’ que aparecer duas baleis esguichando
água não muito longe da costa?! Ficamos ali, no alto da Ponta Negra e seus
rochedos enegrecidos pelo tempo, olhando o mar sem fim rebrilhando e dois seres
antigos, duas baleias lançando alegres jatos de água para o céu azul. Foi assim
que se “selou uma nova amizade”.  

publicado por joseadal às 11:21
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Dezembro 20 2011

Parafraseando a música de Geraldo Vandré: Pedalando e pensando e seguindo a canção..., contava do problema que desenvolvi na mente
enquanto rodava no alto da Mantiqueira: por que a serpente é o símbolo do mal, do Diabo, inimigo de Deus, na Bíblia?

Voltemos à cobra no Jardim do Éden. O casal, como o da novela Fina Estampa, vive aos beijos e
carinhos. Ô vidão! Então aparece a sinuosa - a má? – e diz para Eva:

 - Você precisa comer a fruta desta árvore, menina! 

 Esta responde como o marido lhe ensinou:

 - Não posso, se a comer morro.

 Isto se chama interdição com ameaça, é base da cultura dos judeus e dos cristãos. Proibição e
pecado, nada a discutir ou tentar entender.

Mas tomando o aspecto de quem ensina a sibilante interpõe:

- De jeito nenhum! Comendo está fruta você vai conhecer o bem e o mal.

 Agora me diga: compreender pela vivência, pela experiência, é ruim? Ou é assim, provando,
tropeçando e sofrendo que se cresce?

Quando o Criador resolveu fazer de Jesus o salvador da espécie humana, o que foi que fez?

Colocou-o no mundo, como se fosse diante da árvore do Conhecimento. Jesus pode ver o que era bom e o que era mau e pode
escolher. Ele, o unigênito, falou depois:

- Pai, preciso mesmo conhecer o bem e o mal? Pai, passe de mim este cálice! Mas seja feita a Vossa vontade e não a minha. 

Um seguidor de Jesus, disse: "Ele aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu".

É preciso experimentar situações diferentes para se crescer.
Errar, reconhecer o erro e aprender. Este é o princípio da sabedoria, é o caduceu.

A serpente teve a sua função no avançar da humanidade. Quanto aprendemos desde que o Adão e a Eva, os primeiros homo sapiens,

deixaram a caverna!

Seguindo o pensamento bíblico a serpente, o ser espiritual que estava com eles, lhe mostrou o difícil caminho do aprendizado.

Na mesma Bíblia, tempos depois, a um estranho relato de algo que se passou no mundo dos espíritos:

Deus Pai: - De onde vêns?

Anjo protetor: - De andar pela Terra.

Deus Pai: - Viste meu servo Jó? Que homem fiel!

Anjo protetor: - Deixe-me tocar em tudo que ele tem e vejamos se continua fiel.

Deus Pai: - Vai, faça isso.

Então, a serpente é má ou é o meio usado por Deus Pai para nos revelar o conhecimento, nos fazer sair da mesmice?    

Refleti sobre estas coisas enquanto estava pedalando de manhãzinha no planalto, em cima da Mantiqueira.

A bike girava por um antigo caminho de trem, hoje sem os trilhos e dormentes.

O sol de inverno dourava os pastos e dava as correntes dos riachos cores maravilhosas.

E, com alguns colegas mais a frente e outros mais atrás, eu e minha bike sozinhos, pensei tudo isto e
entendi que a serpente não é má, é o caduceu que nos eleva.

Mas com esta revelação veio outras. Depois eu conto.

 

publicado por joseadal às 19:11
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Dezembro 19 2011

Quando fiz a Volta dos 200 km este ano, é tanta estrada para
pedalar que por longos minutos a gente está sozinho. Nestes momentos o ciclista
tem como companhia ele mesmo e o mundo que se formou a sua volta e que tem
tanto parentesco com ele. Só e afastado das multidões e da mídia que bombardeia
sua mente o tempo todo, ele, montado em sua bike tem ocasião de refletir,
meditar e pensar. No segundo dia da Volta, no trecho plano entre Liberdade e
Bom Jardim decidi pensar no porquê da visão contraditória da Bíblia e da Filosofia
sobre a serpente. [esta foto de Zé pedalando é meramente ilustrativa, aqui ele está na estrada Pinheiral-Vargem Alegre;

mas com certeza está entregue a muitos pensamentos e incorporado pelo Zé Pensador] 

Tinha pensado nessa contradição das culturas acerca da serpente vendo, em casa, a novela Fina Estampa

na qual um casal sem filhos vive um romance sem fim e tão intenso que a irmã dele chega a dizer: isto não é normal.

Vivem num paraíso. Um dia, por acaso, encontram uma doutora em fertilização e a vida deles muda, surge um desejo e
entra em cena a dissimulação e o engano. Lembra a passagem da Bíblia sobre Adão, Eva e a serpente.

Nas escrituras a cobra é sempre símbolo do mal, de Gênesis ao Apocalipse.

Porém, em todos os livros sagrado e na mitologia de todos os povos ela é associada à sagacidade e a compreensão.

O logotipo de diversos estudos - dos fármacos, os remédios, à contabilidade -

é o caduceu, duas serpentes entrelaçadas em um bastão e ascendendo em sabedoria.

Este símbolo que aparece nas inscrições egípcias acompanhava o ser humano desde seu surgimento na Terra e representa a
elevação do ser humano. Na foto o sagaz deus Thot, o chaca,l abençoa um faraó enquanto segura dois caduceus, poder dado a ele por Zeus.

Por que esta diferença entre a cultura judaica-cristã transmitida pela Bíblia e as outras?

É muito bom se ter tempo, silêncio e nenhuma distração para pensar, refletir e compreender as
coisas - o que aliás é representado pelo caduceu - e se consegue isto
pedalando, mesmo num grupo, mas meio afastado dos outros. [continua na próxima postagem]

publicado por joseadal às 13:01
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Dezembro 07 2011

Estou lendo Horizonte Perdido, de James Hilton. Ele narra a aventura de quatro ocidentais num mosteiro em um vale entre as montanhas do Tibete, o belo Shangri-lá. Subindo uma trilha íngrime o inglês Conwey narra:

"Entretanto, ia o sol aquecendo. E o ar, puríssimo, tornava-se mais precioso a cada inalação. Nesta altitude era necessrio respirar conscenciosamente, e isto, que a princípio parecia atrapalhar, ao fim de certo tempo produziu tranquilidade. Caminhando, todo corpo se movia no rítmo da respiração, tanto o andar quanto os pensamentos. Os pulmões não mais funcionando automáticos e ignorados, funcionavam harmonizando o espírito com as pernas. Há momentos na vida, como em uma boa caminhada, em que se abre a alma com tanta felicidade quanto o colecionador abre a carteira para pagar pelo ítem que lhe vai completar a coleção. Sim, depois de anos passando por sítios muito belos esta aventura prometia ser fora do comum". (na foto o jovem colega Michel subindo a serra da Concórdia, Valença, RJ)

 

É por isto que no esporte de mountain bike sempre buscamos caminhos novos. E se o percurso for cansativo, exigindo muito do corpo, então ele nos faz prestar atenção em seu funcionamento. Porque na pressa de viver nem notamos como nosso coração martela sem parar e nossos pulmões se enchem e esvaziam feito um fole de acordeon. Porém, ali, sobre a bicicleta, cada pedalada subindo metros, nosso organismo se mostra em toda sua importância e maravilha. E o templo vivo que é o corpo se torna mais caro para nós.

Irmão, escute esta música, um hino a maravilha da gente estar vivo neste belo planeta: Ando devagar porque já tive pressa...

http://www.youtube.com/watch?v=W0Im-TppkHM&feature=related

publicado por joseadal às 21:21

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