bikenauta

Fevereiro 27 2012

Nessa vida não temos muitas ocasiões para ficar desatento.
Como disse o poeta Vinícius: “São demais os perigos desta vida”. Andando de
bicicleta então é que se tem de redobrar a atenção. Quando se desce uma ladeira
bem inclinada, os pneus resvalando em pedras soltas, buracos e corrosões, parece até
aqueles videogames antigos em que nossa nave tinha de se desviar dos tiros das
armas inimigas. É um momento em que a atenção não pode ser desviada uma fração de
segundo.

Mas andar com os olhos bem abertos na trilha significa
também ver coisas inusitadas, parar para olhá-las detidamente e até fotografar
como recordação. Não foi assim quando indo para Mangaratiba encontramos, na
Fazenda da Grama, junto à represa, um indivíduo com uma arara no ombro? Não nos
detivemos brincando com o bicho colorido e nos deliciamos com as estripulias
que faziam em cima da cabeça do dono?

 

Ontem, em Santa Rita de Jacutinga, com um sol de rachar
capacete em cima, já almoçado e descansado, voltava e quando passei no
pontilhão vi um sujeito dobrado cavoucando um mato. Parei e observei. Primeira constatação: não
estava limpando o terreno já que usava uma enxadinha de mão, dessas de jardim.
Pensei ver ramas de batata doce, devia ser isso, ele arrancava batatas.
Perguntei-lhe de cima da ponte e ele, sem tirar os olhos do serviço, negou:
Não, estou catando minhoca para pescar. E era muito lógico, o rio Bananal
corria bem ali debaixo da ponte.

Idêntica atenção demonstrou o colega Nilson quando, só nós
dois, subíamos a serra do Funil, em Rio Preto. Subia empenhando toda a força da
perna para girar a roda da bike quando ele, mais atrás, me chamou: Seu Zé, volte
aqui! Venha ver só! Na hora pensei: não desço nem dois metros. Pai, esta subida
não acaba! Mas voltei. Voltei porque profundamente arraigado em mim existe a
convicção de que quando a gente sai para pedalar é para ver o mundo todo,
espiar cada detalhe das maravilhas que a Natureza preparou com muita argúcia e
poesia.

- Olha, Zé Adal!

Olhei o chão da beira do caminho todo atapetado de folhas e paus
secos. Fora o lixo orgânico marrom não notei coisa alguma.

- Uma formiga-solteira!

E no mesmo instante se abaixou e colocou a mão entre o
restolho. Aí foi que vi uma grande formiga preta com um abdômen grande com
quatro retangolinhos amarelos vivos. Uma penugem preta a tornava mais parecida
com uma aranha do que com uma formiga. Lembrei de uma outra formiga grande que dá uma ferroada arretada e avisei:

- Ela vai te dar uma mordida, Nilson!

A bicha já subia por sua mão e entrava entre o cipoal de pelos do seu braço.

- Essa formiga não tem ferrão, não. Ela tem esse nome porque
anda sempre escoteira. Pode olhar a volta, não tem nenhuma outra. É um bichinho
muito difícil de ver. Eu mesmo, criado na roça, esta é a terceira que vejo.

É rara mesma, tanto que nem o Google fala dela. E a bitela da formiga era bonita de se ver de pertinho. O
amarelo nas costa era sua defesa contra algum predador já que não tem um ferrão
ou mandíbula para atacar.

Ele passando de uma mão para a outra o suave inseto contou mais.

- Quando era pequeno, lá em Miraí, minha mãe achou uma
dessas e amarrou com uma linha de costura, fez como se fosse um cordão com a
formiga como pingente, e colocou no pescoço de um meu irmão que sofria de bronquite
asmática. E avisou a todos nós que olhávamos as andanças da formiga pelo
pescoço do mano: quando ela conseguir sair por cima da cabeça deixa ela ir
embora, não matem nem maltratem a pobrezinha; ela vai levar embora a bronquite
de seu irmão. E foi o que sucedeu, ele nunca mais sofreu de asma, graças a
formiga-solteira.

Estou cansado de dizer: pedalar também é cultura; mas precisa estar muito atento para ver.  

publicado por joseadal às 11:49

Fevereiro 21 2012

Minha filha Marcia aproveitou o feriado do Carnaval e veio descansar da vida corrida no Rio. Dormiu um bocado em diferentes horários, fez uma salada maravilhosa e um macarrão com atum espetacular e andou de bicicleta comigo. Esta foi uma parte inesquecível de sua passagem pela velha casa em que cresceu.

 

Circulamos pela cidade sem pressa e conversando muito. Falamos do trabalho de cada qual e dos planos para sua viagem a Milão participando do maior evento de designe de móveis do mundo. As ruas que ela andou ainda menina agora pareciam acanhadas, mas estavam cheias de nostalgia. Lembramos casos dos seus tempos de estudante e da deslumbrada adolescente que queria conhecer o mundo. Agora, arquiteta, anda por ele com desembaraço.

   

Sobre o rolar suave dos pneus, impulsinados por nossas próprias forças e livres da propulsão inumana de um motor a explosão uma hora passou mansamente, sem pressa. Carnaval, a cidade bem vazia, as ruas com pouco movimento de carros convidavam a pedalar. Falamos de Lili e de quanto a amamos e nos preocupamos com ela. A sua filha e meus netos foram tema de comentários e preocupações com o estudo e com as amizades. Ao lado a paisagem deslisava num ritmo de filme antigo ou, como é Carnaval, como uma marchinha de Lamartine Babo.

 

As cores douradas da tarde de segunda feira foram esmaecendo. Os músculos das pernas dela, pouco exigidos, começaram a apresentar fadiga, voltamos calmamente por ruas diferentes e paramos nas praças bem cuidadas para fotografar. Foi muito bom pedalar com ela. Não se pode deixar o redemoinho louco do mundo nos roubar momentos como esse em que andei de bicicleta com minha filha Marcia.

 

 

publicado por joseadal às 20:56

Fevereiro 20 2012

Lili diz que encho o computador de fotos, mas digo mais, encho a internet de fotos. Quer coisa melhor do que registrar um momento único, que jamais vai se repetir?

- Mas pra que, Zé? Fica tudo lá, no computador, nos CDs e na internet criando poeira e teia de aranha. Quando é que você vai ver de novo aquela foto antiga?

Não pense assim, amigo. Dia desses mesmo cacei uma foto pra colocar na minha área de trabalho e peguei essa aqui.

Olhando-a, depois de três anos, voltou-me a memória o esforço que foi chegar neste píncaro da serra da Carioca, em Rio Claro. Subimos durante mais de uma hora empurrando a bicicleta num trilho de passagem de cavalos. Perto do final, recordo bem, estava rezando para Jesus me empurrar até o cimo e implorando a Ele que não faltasse muito. Não tinha mais braços nem pernas e o coração batia desesperado tentando bombear sangue para cada célula dos músculos que, coitados, trabalhavam sem dó nem piedade.

Passado o primeiro impacto das lembranças veio um constatação maravilhosa. Olhe bem esta foto. Não dá pra ver o rosto do outro ciclista, mas dá para perceber que é jovem. Na época tinha 65 anos e Pedro Eduardo uns 15 anos. Então, dei-me conta deste fato espetacular. Duas pessoas com diferença de três gerações (podia ser pai da mãe dele, dona Malu) pedalando e, por que não dizer, escalando serras, juntos. Sem diferenças de opiniões e gostos, pelo menos enquanto estamos focados na aventura de pedalar. Olhe mais uma vez, podia ser um avô em companhia do neto.

Se pudesse te enfiar uma idéia na cabeça era esta: ande com teu filho (a) ou com teu neto (a). Busque um ponto de contato nas vidas tão diferentes que afastam os jovens dos mais vividos neste mundo pós-moderno. Nada melhor que um exercício ao ar livre, junto a Natureza. Natureza aqui significando todos os meios que Jesus usou, todas as leis da física e da química, para moldar nosso planeta tornando-o tão variado, tão cheio de belezas que entram por nossos olhos e ouvidos, vão a mente e ao coração chegando até o ponto de junção de nós como almas e como espíritos. Olhe de novo a foto.

- Pô, Zé, de novo?

É, olhe aí, podia ser você e teu filho olhando o mundo lá de cima da montanha.

publicado por joseadal às 11:23

Fevereiro 19 2012

A Bíblia é o livro dos milagres e conta inúmeros deles. Um milagre é algo extraordinário testemunhado por várias pessoas ou até por uma só. É a mente humana que identifica um acontecimento como especial. Ela tem a capacidade de ver uma cena e interpretá-la, decodificá-la, segundo o que o indivíduo está sentindo no momento. Tanto se pode perceber o milagre na hora mesmo que ele ocorre como tempos depois nos darmos conta de que presenciamos um fenômeno muito especial.

Quando João Batista pregava no rio Jordão tentando converter os homens à uma nova maneira de viver aconteceu um fato maravilhoso. O jovem nazareno Jesus desceu a ribanceira do rio e se apresentou a João que estava cercado de muita gente. Cada um viu a chegada daquele homem de um modo diferente. Alguns só se deram conta de que acontecia ali um milagre anos depois.

Assim sucedeu neste domingo de carnaval, 19/02/2012, muitos foram testemunhas de algo extraordinário. Juntar pessoas para uma longa pedalada não é uma coisa fácil. São tantas as desculpas para não sair com a bike! Mas lá estavam onze ciclistas para andar120 km.

Nos últimos dias o sol tem sido abrasador e todos temiam um calor que diminuísse as energias. Mas um dia nublado manteve o sol sempre encoberto e um vento fresco nos acompanhou nas subidas puxadas. Andamos muito pelo asfalto mas quando entramos no caminho da Várzea foi uma beleza, apesar da subida em que quase todos precisaram empurrar.

Ora, quem presenciou homens de quase 68 anos andando firme com jovens de 32 achou que acontecia ali algum tipo de milagre de superação e coragem. Também, cada um neste desafio era um firme crente em Deus e devoto de Jesus Cristo.

   

publicado por joseadal às 22:39

Fevereiro 11 2012

Já contei como em longas pedaladas, depois de conversar
muito com os colegas de pedal, entrego-me a divagação, quase saio de mim mesmo,

refletindo e meditando. Hoje li um artigo do professor contando como isto acontece com ele também:

“Deslocar-me de bicicleta para os locais das minhas atividades como
docente (aulas ou apresentações) acabou despertando um interesse especial para
o fenômeno de insights, intuições ou iluminações que
surgem do nada à mente silenciada pelo movimento repetitivo das pedaladas que, tal
como um mantra, parece induzir a um particular estado de suspensão físico e
mental”.

Pensava que o raciocínio de um novo assunto era resultado do
silêncio e do contato com a natureza que se tem pedalando, mas o professor
lembrou que o movimento repetitivo de pé-da-le-pé é como um mantra. Julgava que
o mantra tinha a ver só com sons emitidos por nosso corpo, mas ele levanta a
hipótese de que movimentos repetidos também causam este afastamento do racional
levando-nos a usar as informações e experiências do inconsciente e os poderes
do subconsciente. Ele conta uma experiência:“Fazia sol e calor e,
entre as pedaladas fortes em uma das subidas da rodovia Raposo Tavares, veio o
insight de uma só vez, como um raio. Recebi intuitivamente o tom da
apresentação que ia fazer. Mais uma vez as minhas locomoções de bicicletas
resultaram em respostas decisivas que dão um sentido ou uma estrutura
narrativa para as minhas aulas e apresentações. Ao longo do tempo percebi a
recorrência desse fato o que para mim acabou se transformando em um método. O
primeiro passo das minhas aulas e apresentações é assimilar bastantes
informações num aspecto acumulativo; disso resulta um esboço de narrativa
(começo, meio e fim) sempre não muito claro e fugidio; e na atividade física, no
transporte de bicicleta para os locais dos eventos, é que surge a estrutura
decisiva, a partir de insights que amarram, num lampejo intuitivo, todas as
informações que ainda estão fragilmente organizadas”.

Por que não usamos esta potencialidade enquanto pedalamos? Se precisamos resolver um assunto profissional, familiar,
financeiro ou emocional, por que não focar o assunto enquanto praticamos o
ciclismo não competitivo e vivenciamos a alegria de ver a resposta chegar
intuitivamente ou mediúnicamente.

“Há algo nessa união paradoxal entre o esforço
físico ritmado (tal qual um mantra) no transporte de bicicleta e o silenciamento
da mente na atividade, sendo o resultado um repentino salto qualitativo intuitivo”.

publicado por joseadal às 20:35
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Fevereiro 05 2012

Há 8 anos, quando comecei a pedalar, ouvi falar da serra do Funil,
em Rio Preto, MG. Fui postergando até que decidi subir lá com minha bike.


Comecei a me informar e ciclistas muito bons e com a metade de minha idade avisaram: é difícil, seu Zé, eu tive de empurrar.

Mas já subi a Bocaina, a Beleza, o Pacau e até o Alto Caparaó, o Funil não me assustava. Até que neste
sábado, 04/02/2012, acompanhado do colega Nilson de Valença, empreendemos o
desafio. Chegando a Pentagna (10 km do percurso de 100 km) um frequentador do
bar no qual paramos sentenciou: a serra do Funil é onde Deus descansa os pés.
Aí, eu tremi.

Quando tinha 10 anos meu pai, Sr. Gumercindo, presenteou-me com uma Bíblia
novinha e, certa noite, ouvindo um pregador, acompanhei-o na leitura do Salmo
110:1: “Senta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos como escabelo para os teus pés”. Em casa
perguntei: o que é “escabelo”. Meu pai respondeu: é uma almofada onde o rei,
sentado no trono, pousa os pés. Agora sabia que a serra do Funil seria uma brabeza, era onde Deus
pousava Seus divinos pés.

Almoçamos em Rio Preto e fizemos a digestão subindo devagar de 400m de
altitude para 900m, em 18km. Já subi até 1200m em 22km indo para 7 Quedas, na
Bocaina, sem precisar desmontar. Será que o Funil seria assim tão difícil? É,
sim. São duas subidas, uma com 6km e outra com 10km. Saímos de Rio Preto antes
de 13h e chegamos lá às 16:30. Foram 3:30h de suor e dor temperado por uma
vista maravilhosa.

Depois de beber quase 2lt de líquido e descansar subimos a pé uma escadaria, os
degraus feitos na própria pedra, até a igreja dentro da gruta. Antes fomos ver o rio de
águas marrons escoar e sumir num funil. As águas nascidas nas serras vêm
abrindo caminho para baixo desgastando as pedras e delineando seu leito.
Possivelmente um desmoronamento tapou a passagem do córrego e ao invés dele
encher, represado, e passar por cima dos blocos que fecharam seu caminho ele achou outra solução. como
as serras são formadas por calcário ele encontrou buracos na pedra para seguir
por uma caverna e surgir à luz do sol mais abaixo. É um sumidouro. Aquele alto de serra impressiona.

A volta foi mais suave, mas o tempo planejado – estar de volta até 17h –
extrapolou completamente, chegamos com o cair da noite, eram 19:30. Mas não foi um
sacrifício, foi um esforço para alcançar um objetivo.  

Na condução vi a lua crescente me seguindo no céu e, como tem muitas
árvores a beira da estrada, ela parecia correr acima delas atrás de mim. Ela tinha de me olhar, afinal subi a serra do Funil!

publicado por joseadal às 18:31

Fevereiro 05 2012

Desde que começou construir suas casas e ajunta-las em
cidades as mulheres e os homens perderam um bocado de sua relação com o Deus.

Cercado de casas e prédios, às vezes, sem conseguir ver um
morro e sua cobertura vegetal, todos seus sentidos só percebendo as obras
humanas, as pessoas embotaram sua espiritualidade.

Voltado para o que faz ele perde sua bússola, seu GPS que lhe diz quem é e porque está neste planeta.

Mas quando saímos por uma estrada, caminhando ou pedalando, o
globo em que vivemos se expande perante nossos olhos admirados.

Um espetáculo assim se descortina melhor no alto de uma
serra. A estradinha serpenteando em volta dela apresenta um visual que nem a TV
nem o cinema conseguem mostrar.

Foi assim nossa subida na serra do Funil, em Rio Preto, MG.

A esfera que chamamos de Terra se abre em um mar encapelado de morros.

O denteado da cadeia de montanhas lá para o lado de
Ibitipoca, as colinas e morros se desdobrando até onde a vista pode alcançar ou
a curvatura de nosso planeta esconde, é de uma magnitude que nos torna humildes.

Longe da característica da construção humana que delimita
o espaço, como o corpo faz com nossa alma, a amplidão que se vê saindo pelos
caminhos faz o espirito dentro de nós lembrar que veio de espaços infinitos e
que para lá ainda vai de volta.

  

Abra seus caminhos, saia de casa, ande com suas próprias
pernas, vá além das últimas casas do derradeiro bairro de sua cidade e veja que
há muitas belezas que não foram feitas pelos humanos.

Na realidade, quando chegamos aqui há milhares de anos já estavam feitas.

Abra, passe a porteira e veja o mundo.

publicado por joseadal às 13:10

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