Domingo costuma ser o dia em que saiu de casa para longas pedaladas. Geralmente ando com um bando alegre que sai correndo as estradas de chão de nossa região. Mas hoje, dia dos Pais, tinha compromisso com a família, então neca de pedalar. Mas não consigo, assim deixei um bilhete para Lili e montei em minha bike limpinha para um pedal de duas horas. Sozinho, porque ligando para alguns colegas ninguém quis sair.
Coisa estranha essas necessidades, esta vontade. Fui rodando e lembrando das palavras do filósofo Artur Schopenhauer em Mundo da Vontade:
“Sendo o homem a mais perfeita objetivação desta vontade de viver, é, portanto, ao mesmo tempo, o mais necessitado de todos os seres. E, com tudo isto, encontra-se sobre a Terra, abandonado a si mesmo, incerto de tudo, salvo da sua miséria e das suas precisões: isto faz com que toda a sua vida seja ocupada pelos cuidados reclamados por uma existência submetida a exigências muito pesadas. Ao mesmo tempo, perigos de todo gênero o circundam por todo lado, e obrigam-no a dilatar uma vigilância de cada instante para evitá-las”.
Pedalando nas ruas da cidade precisa-se estar atento o tempo todo. Mas de modo geral em cima da bicicleta fica-se livre de todas ansiedades. Parei num posto e calibrei os pneus. Ia saindo quando parou uma bela ciclista. Dei um impulso, mas pensei: você está só, Zé, ela também, chame a moça para pedalar juntos. E não é que ela aceitou! Daí o pedal foi um conversê só. Falamos de quase tudo e se não rodei tanto quanto havia planejado, dei e recebi informações preciosas. Tudo equilibrados nas magrelas. Novamente, pensei no que o filósofo falou mais adiante:
“Mas o que faz os humanos perseverar em tão penoso combate não é tanto o amor da vida, quanto o temor da morte que, sempre inevitável, sempre à vista, pode a cada instante rojar-se sobre eles. A própria vida é um mar semeado de escolhos e de abrolhos que o homem evita com prudência e cuidados extremos, embora não ignore que apenas lhe tenha escapado, cada novo passo o aproxima dum naufrágio bem diversamente formidável, dum naufrágio total, inevitável e irreparável, da morte para a qual navega diretamente; termo final da fatigante travessia, porto mais terrível que todos os escolhos evitados. Por sua causa é que sucede que seres que tão pouco se amam como os homens, se procurem, todavia, com ansiedade: o temor se torna portanto uma fonte de sociabilidade”.
(em um inverno quente a pitangueira aqui de casa se engana e enche de flores)
O ciclista é na maior parte das vezes um proselitista, um incentivador da prática deste esporte maravilhoso que faz tanto bem ao corpo e a mente e nos prodigaliza de amigos e momentos felizes.