“Comida pouca, meu pirão primeiro”, mas e se o que temos é muito bom e dá pra todos? Aí, nada mais justo e bondoso senão estender o convite a outros: venha, venha comigo! (nesta foto, que não lembro quem bateu, João Bosco é o de camisa branca)
Foi assim que em 2006, pedalando para o quilombo de São José, na serra da Beleza, chamei, insisti mesmo com um senhor da minha idade para vir com a gente. Estava de roupa comum e deve ter se espantado com aqueles caras de roupa de ciclista: camisa colorida, bermuda acolchoada, luvas e capacete. Vi nos olhos dele toda dúvida: vou nada, acompanhar esses malucos nem pensar! Deu uma desculpa: só venho até Amparo e volto.
(lá vai João Bosco com o pneu trazeiro furado, mas foi)
Tantas vezes chamei ciclistas pelos caminhos: vamos com a gente, companheiro! Nenhum vinha. Mas não se deve desistir de semear boas ideias. Alguma coisa naquele homem fez com que me empenhasse no convite: vamos só até Santa Izabel do Rio Preto, é logo ali. Ele olhava para frente, mas voltando a vista para mim, refugou: vou atrasar vocês. Aquele camarada preocupava-se com os outros, então era dos nossos. Vi que ele não despregava os olhos do anzol: da estrada se esticando lá pra frente, da alegria de pedalar mais pra diante e do desafio de poder vencer aquele estirão. Puxei a linha: faço questão de ir no seu ritmo. E o senhor João Bosco de Castro Reis, nome de nobre do império, mordeu a isca e saiu em disparada levando linha e caniço. Tornou-se um grande ciclista de mountain bike e tem desbravado trilhas por vários estados brasileiros.
(neste passeio ele já tirava fotos, mas ainda não adotara o uniforme, dizia: isso é pra bichas)
- Mas zé, é só isso que você tinha a oferecer a ele, pedalar?
Em minha vida de ciclista vi a bike mudar a vida de muita gente, a minha principalmente. Num dos meus primeiros ‘pedal’ – lembro como se fosse hoje e foi há oito anos – um jovem casal, quando paramos para um descanso, me mostrou seu álbum de fotos. Contaram como se conheceram. Ele foi pedalando até Santa Rita de Jacutinga, pernoitou lá e ali conheceu a doce morena que o tem ajudado a viver. Viu como a bike é casamenteira?
Outra alegria é ver o colega safenado que volta e meia descia da bike porque o controle de batimentos cardíacos apitava avisando de seu limite e hoje, o coração irrigado por muitas veias novas, pedala como um jovem, não, mais do que muito jovem. A bike é saúde e renovação.
É por isto que neste sábado, indo para a festa de 68 anos daquele mesmo ciclista que se tornou meu parceiro de pedal há vários anos, levei pela trilha um rapaz que se inicia neste esporte e nesta maneira de viver. Como foi bom ir lhe contando histórias pela estrada e lhe mostrando as belezas do conhecido caminho do Glicério. Para ele era tudo novidade. Em cima de minha bike não vejo desencontro de gerações, ela irmana idosos e moços.
Assim, se te acontecer ver um velho ciclista te chamando pra pedalar, não pense duas vezes, acompanhe-o. Em sua experiência ele está vendo quanta coisa boa vai te acontecer daí pra frente. A bike é mágica.