bikenauta

Março 31 2014

Platão disse que para ensinar quem pensa assim, só usando Diálogo. Então vamos tentar.

Quando você passa por uma casa idealizada pelo próprio dono, homem de gosto duvidoso, ela não lhe parece feia?

- Sim.

E ao admirar uma catedral ou um castelo, as torres erguendo-se para o céu, não lhe ocorre logo que ali houve o projeto de um bom arquiteto?

- Com certeza.

Foi o que sentimos, os nove ciclistas que subiram de Piquete, São Paulo, para Marmelópolis, Minas Gerais.

Entre nós havia ciclistas experientes - Pedrão, Rogério, Márcio Guedes e Reginaldo -, outros esforçados - Edmar, Álvaro e eu -, e novos ciclistas – Carlos e Heitor. Mas todos tiveram de ter muita determinação para sair de 640 metros e chegar aos 1.600 em 20 km.

Ao nosso lado, impávido, a grande edificação de granito nos inspirava e dava ânimo. Obra de um Construtor fenomenal, feita de magma que saiu do núcleo da Terra há 590 milhões de anos, ficou sob a terra até que o intemperismo, a degradação feita pelas forças naturais de nosso planeta, a deixou exposta para os olhos dos homens reverentes.

 

E toca a subir. Fomos por asfalto nos 12 primeiros km até o bairro dos Marins. Inclinações de mais de 18° nos fazia subir em zig-zag, como bois subindo um morro.

Depois de um lanche em que se bebeu mais do que se comeu, pegamos a parte mais árdua, em chão de cascalho com trechos calçado. Começou uma  subida muito forçada, tanto que nosso carro de apoio voltou seguindo pelas estradas estaduais para nos esperar no fim do passeio.

Lá em baixo, esfumaçadas e numa tonalidade cinza, as cidades do vale do rio Paraíba do Sul, pareciam se tocar: Piquete, Lorena, Guaratinguetá. O sinal de celular chegava forte naquelas alturas e Zé aproveitou para falar com os filhos.

Então, numa curva do morro, estávamos andando do outro lado e não se via o pico, ele surgiu imponente, o granito negro rajado de outros materiais que o faziam brilhar e mostrar muitos matizes. Os ciclistas se quedaram juntos, de boca aberta, tanto pela respiração opressa causada pelo esforço, como pela admiração da obra do Pai.

As araucárias dominam a serra e o pinhão é abundante. Bem lá em cima encontramos uma família que foi catar as amêndoas e que, ansiosos por sentir o sabor, fizera uma fogueira e assava pinhões. Aquilo nos deu novas forças.

Depois, viramos a serra e corremos pelo altiplano até Marmelópolis, passando por vales de conto de fada que dava vontade de se ficar morando ali para toda vida.

E só depois de cinco horas de intensa aventura sentamos a mesa e provamos da fartura da cozinha mineira: arroz soltinho, tutu de feição pardo, mandioca de desmanchar na boca, uma salada que se repetiu três vezes, bisteca de porco, coxas tenras de franco, ovos cozidos e, há que coisa deliciosa, pinhão bem cozidinho, amarronzado, de dar água na boca. Não repare na sofreguidão dos colegas, a fome era tremenda às 16 horas.

Ah, sim, como “seu” Jair tinha sido avisado que ninguém pagava a conta se não tivesse marmelada de sobremesa, veio um prato com dois quadrados do doce que não comia há muito tempo.

Que mais posso dizer? Foi só isso o pedal  ao pico dos Marins. Ah, não. Como ciclismo também é cultura fique conhecendo o marmelo.

 

publicado por joseadal às 12:45

Março 23 2014

O restaurante do japonês é mais uma mercearia, mas por falta absoluta de opção do bairro à saída de Mendes o proprietário, que parece mais um nordestino, serve comida.

Na varanda, junto ao trânsito incessante de entrada e saída da cidade, os ciclistas se misturaram com os clientes e fizeram uma gostosa refeição. Depois de rodar mais de 80 km a turma se deu o direito de ficar à vontade e conversar. Um casal, numa mesa próxima, logo entrou em nossa conversa e mostrou aquela admiração que já estamos carecas de ver nos que não andam de bicicleta para longe.

- O quê, vocês estão vindo de Volta Redonda?!

Olhando a cena, tomando goles do meu vinho gelado, viajei pensando em como a bicicleta é um veículo versátil. Quando de passagem por Conceição de Macabú fiquei feliz de ver as bicicletas servindo para tudo, numa cidade pequena onde tudo fica a não mais do que cinco quilômetros. Quase todas as bikes tinham cadeirinha atrás e, hora da saída da escola, mães e pais em quantidade desfilavam carregando a preciosa carga. Mas também vi gente carregando televisão, compras de mercado, latas de tinta e por aí vai. 

É um sonho, eu sei, mas que me faz bem imaginar. Imaginar um mundo onde os veículos a motor serão usados muito seletivamente.

Sei que é demais, visualisar uma época em que a família vai de bicicleta almoçar na casa da avó, o profissional deixa sua casa e vai para o trabalho em sua bike e o executivo segue para uma reunião a 100 km de distância saindo bem cedo em sua “magrela” aro 29 com 30 marchas. Os relógios pareceriam diminuir o caminhar de seus ponteiros e ao passar um pelo outro as pessoas se saudariam amavelmente ao invés de dispara palavrões no trânsito, como é hoje.

     

publicado por joseadal às 13:24

Março 15 2014

Chegar a Santa Maria Madalena por estradas de chão é uma aventura para nunca mais se esquecer.

 

Tudo começou quando a revista Bicicleta publicou um pedal organizado para ciclistas estrangeiros e que foi batizado como, Para os Braços de Dercy. Você sabe, Dercy Gonçalves nasceu nessa pequena e linda cidade. Deixar o asfalto e se embrenhar em caminhos desconhecidos exige detalhado planejamento. Estudar a trilha pelo Google Earth foi fundamental. Depois de uma tentativa frustrada o objetivo, pedalar um dia inteiro subindo uma serra, foi alcançado.

 

A serra de Madalena é diferente, por exemplo, da serra da Bocaina, vizinha daqui. Mas ambas surgiram há 500 milhões de anos.

- Hi Zé, lá vem você com ciência, conta logo a história!

É fundamental para um ciclista de mountain bike entender um pouco a geologia de nosso planeta. Assim é que àquela época várias massas continentais se juntavam para formar um só continente, Gondwana. Foi um tempo titânico, já que as placas continentais se chocavam, a mais forte dobrando a outra e subindo nela. O planeta era abalado por inimagináveis tremores de terra. Esses choques provocaram rachadura o que possibilitou ao magma do núcleo da Terra escapar e subir empurrando a litosfera para cima. Na Bocaina a rachadura foi contínua e formou um batólito, uma serra comprida que vai de Rio Claro até Jacareí, mais de 300 km de extensão. Já em Madalena as rachaduras foram pontuais e o granito expulso do centro da Terra formou imensos blocos de pedra,

megalitos colossais, espalhados como gigantescas velas de um bolo desmesurado, o que é chamado de craton. Para chegar na cidade de Dercy o ciclista tem de rodear esses gigantes petrificados. São de formas distintas, aquele ao fundo foi chamado de peito de Pombo.

Outro é um espeto desmedido, outro parece um cone, e por aí vão se sucedendo.

Aproveita-se o ônibus para vencer os 300 km que separam o Vale do rio Paraiba do Sul de Macaé.

O dia começava, e que dia lindo para viver uma aventura. A bicicleta rodava mansinha pela beira-mar e uma aragem fresca e o cheiro do mar atiçavam a vontade de começar o caminho.

O ciclista pegou a ciclovia que passa pelo aeroporto e seguiu as placas, informando-se com os moradores a toda hora. Enquanto aqui a serra do Mar fica praticamente encostada na praia, lá tem de se pedalar 40 km para chegar ao pé da serra.

Só asfalto. Um cego, sozinho numa parada de ônibus da BR, pediu-me para ficar um pouco com ele e ver o coletivo que ia pegar. Nesse intervalo explicou que logo a frente começava uma estrada de chão que saía lá bem em cima na serra, já próximo a Conceição de Macabu. Prestando um favor e recebe-se outro. Depois que ele foi embora olhando as anotações do trajeto, lá estava a estrada do Quilombo de Santa Maria. Até ali se gastou 2:30 h. Os imensos blocos de pedra vigiavam o avanço do ciclista.

Um lanche demorado em Conceição, informações recebidas, o ciclista continua o caminho pelo asfalto. Era 10:30 h de uma manhã cheia de luz e sem muito calor. Nuvens se acumulavam na serra. Dois km a frente, numa ponte em curva, entra-se em outra estada de terra, o caminho da cachoeira da Amorosa.

Bem lá em cima o ciclista entrou no rio para tomar um banho gelado. Quando se pedala sem a companhia de outros ciclistas é indispensável o apoio do anjo da guarda, por quem se deve rogar a Nossa Senhora, rainha que é de todos os anjos. Esse bom companheiro é muito competente em nos livrar de perigos adiante, mas para tirar nossas fotos não é lá essas coisas. Ele tirou várias fotos do banho do ciclista e só essa ficou mais ou menos.

Num trailer serviu-se de uma porção de peixes e imediatamente lembrou-se que igual ao seguidores de Jesus, Deus entre nós, estava sendo alimentado por dois pãezinhos, devorados em Conceição, e sete peixinhos na Amorosa. Ainda era cedo, 12:30, mais ainda tinha muito chão pela frente.

Subindo um trilho difícil, empurrando a bike, chega-se ao leito de uma antiga estrada de ferro. Esse é sempre um caminho bom de se pedalar. O aclive é suave e pode-se acompanhar os vales ficando cada vez mais lá embaixo.

Mas implantar uma ferrovia contornando as encostas das pedreiras foi uma formidável obra da engenharia humana que, abandonada, apresenta surpresas.

Trechos alagados e outros que simplesmente foram levados morro abaixo por alguma enxurrada é uma possibilidade que o ciclista acabou encontrando. Então foi preciso pegar um trilho cheio de pedras que subia muito forte e só dava para empurrar a bike.

Quando se dava a volta num dos megalitos imensos e pensava-se que vinha a descida, via-se a subida continuar inexorável. O céu escureceu com nuvens negras e caiu um toró formidável.

Abrigado sob uma touceira de bambu via o anjo da guarda, mais previdente, querendo fugir de um raio, sentado na chuva me olhando. Mas não ouve relâmpagos, só a chuva torrencial.

Numa fazenda perdida entre as serras o dono informou que o asfalto estava logo à frente, mas que seria melhor não entrar na estrada para Madalena, mas seguir adiante até um lugar chamado, Dr. Loreti – a indicação estava na minha planilha – pois dali continuava o leito férreo o que pouparia uma subida forte e muito longa. Assim é que às 17 h estava entrando em Madalena e descendo uma forte ladeira para chegar na praça principal, à pousada e à um bom restaurante.

Que dia inesquecível! Obrigado, meu Deus.

publicado por joseadal às 14:19

Março 10 2014

Ontem o dia estava coberto de nuvens pesadas e o céu despejou água com vontade. Como planejamos fazer um belo pedal a Paracambi, por três vezes pedi a Nosso Senhor Jesus, Criador e poderoso controlador da natureza, para que o domingo, 09/03/2014, fosse um belo dia para pedalar.

(tipo assim, seria pedir muito?)

Mas, tarde da noite, os profetas vaticinavam: chuuuvvvaaa, vai chover amanhã. Homem fraco que sou capitulei: o passeio está transferido para dia melhor.

- Mas e o dia melhor que tinhas pedido, homem de pouca fé?

Pois é, a manhã surgiu linda demais.

 

Com o amigo João2010 rodamos para Amparo, não se podia desperdiçar o dia maravilhoso. O caminho estava repleto de ciclistas indo e vindo. O mundo é mesmo um presente.

Que jogo de cores incríveis o verde dos morros cobertos de capim com o azul intenso da atmosfera da Terra, misturado às cores variadas das flores. Os animais que evoluíram para quando aparecêssemos no planeta, como as vacas que nos olham pasmas enquanto passamos ligeiros e os cavalos de pelo brilhoso, alheios aos ciclistas na estrada.

 

Enfim, a falta de fé não nos paralisou e aproveitamos o dia que recebemos.

Mas fiquem avisados os falsos profetas, não desistiremos mais de um passeio com antecedência.

publicado por joseadal às 00:12

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