Platão disse que para ensinar quem pensa assim, só usando Diálogo. Então vamos tentar.
Quando você passa por uma casa idealizada pelo próprio dono, homem de gosto duvidoso, ela não lhe parece feia?
- Sim.
E ao admirar uma catedral ou um castelo, as torres erguendo-se para o céu, não lhe ocorre logo que ali houve o projeto de um bom arquiteto?
- Com certeza.
Foi o que sentimos, os nove ciclistas que subiram de Piquete, São Paulo, para Marmelópolis, Minas Gerais.
Entre nós havia ciclistas experientes - Pedrão, Rogério, Márcio Guedes e Reginaldo -, outros esforçados - Edmar, Álvaro e eu -, e novos ciclistas – Carlos e Heitor. Mas todos tiveram de ter muita determinação para sair de 640 metros e chegar aos 1.600 em 20 km.
Ao nosso lado, impávido, a grande edificação de granito nos inspirava e dava ânimo. Obra de um Construtor fenomenal, feita de magma que saiu do núcleo da Terra há 590 milhões de anos, ficou sob a terra até que o intemperismo, a degradação feita pelas forças naturais de nosso planeta, a deixou exposta para os olhos dos homens reverentes.
E toca a subir. Fomos por asfalto nos 12 primeiros km até o bairro dos Marins. Inclinações de mais de 18° nos fazia subir em zig-zag, como bois subindo um morro.
Depois de um lanche em que se bebeu mais do que se comeu, pegamos a parte mais árdua, em chão de cascalho com trechos calçado. Começou uma subida muito forçada, tanto que nosso carro de apoio voltou seguindo pelas estradas estaduais para nos esperar no fim do passeio.
Lá em baixo, esfumaçadas e numa tonalidade cinza, as cidades do vale do rio Paraíba do Sul, pareciam se tocar: Piquete, Lorena, Guaratinguetá. O sinal de celular chegava forte naquelas alturas e Zé aproveitou para falar com os filhos.
Então, numa curva do morro, estávamos andando do outro lado e não se via o pico, ele surgiu imponente, o granito negro rajado de outros materiais que o faziam brilhar e mostrar muitos matizes. Os ciclistas se quedaram juntos, de boca aberta, tanto pela respiração opressa causada pelo esforço, como pela admiração da obra do Pai.
As araucárias dominam a serra e o pinhão é abundante. Bem lá em cima encontramos uma família que foi catar as amêndoas e que, ansiosos por sentir o sabor, fizera uma fogueira e assava pinhões. Aquilo nos deu novas forças.
Depois, viramos a serra e corremos pelo altiplano até Marmelópolis, passando por vales de conto de fada que dava vontade de se ficar morando ali para toda vida.
E só depois de cinco horas de intensa aventura sentamos a mesa e provamos da fartura da cozinha mineira: arroz soltinho, tutu de feição pardo, mandioca de desmanchar na boca, uma salada que se repetiu três vezes, bisteca de porco, coxas tenras de franco, ovos cozidos e, há que coisa deliciosa, pinhão bem cozidinho, amarronzado, de dar água na boca. Não repare na sofreguidão dos colegas, a fome era tremenda às 16 horas.
Ah, sim, como “seu” Jair tinha sido avisado que ninguém pagava a conta se não tivesse marmelada de sobremesa, veio um prato com dois quadrados do doce que não comia há muito tempo.
Que mais posso dizer? Foi só isso o pedal ao pico dos Marins. Ah, não. Como ciclismo também é cultura fique conhecendo o marmelo.