Nossas netas não ficam sem a advertência da Lili: Não conversem com estranhos no Facebook; marcar encontro, então, não façam nunca; não tem dia que a televisão não fale de alguma desgraça por causa disso. Lili tem conselho pra tudo, inclusive para eu deixar de ser criança. Difícil.
Foi com essa admoestação martelando na cabeça que vi um email solicitando amizade no Facebook: Kanelinha de Ouro quer sua amizade. Cliquei abrindo a página, mas não tinha foto, entretanto a localidade, Valença, me chamou a atenção. A pessoa tinha metade da minha idade e o perfil dizia: Sou ciclista e gosto muito de uma companhia para pedalar. Caramba! Olhei para trás para ver se Lili estava olhando sob meu ombro e coloquei uma mensagem: Por coincidência vou pedalar em Valença neste dia 02/11. Encontre com a gente na rodoviária às 7:30. Então, fui fazer um serviço na internet pensando no passeio de bicicleta. Imaginava ver belas fazendas do tempo do café, como esta, Pau d'Alho.
Quando ia desligar o computador, olho os e-mails e lá está a resposta: Vou estar lá, com prazer, e vou levar colegas. Se você quiser te levo a Cacheira do Amor. Gente! Minha imaginação viajou. Me imaginei pedalando na companhia de uma bela jovem por lindos caminhos e tendo como paisagem trechos assim, como a vista de Porto das Flores, vilarejo muito antigo.
Na mesma hora mandei e-mails para os amigos: Não esqueçam do pedal em Valença, dia 02/11, saída 6 h.
No dia seguinte os colegas, um a um, recusaram ir a Valença: está fazendo muito sol, Zé, não está bom para pedalar. Fiquei besta, até João Bosco, pele curtida do sol de incontáveis pedais, temendo o astro rei. Ora, estando quente toma-se um banho gelado numa cachoeira, como a do Amor.
Chegou o dia, acordei 5 h e toquei para Valença. Ia encontrar com Kanelinha de Ouro e iríamos juntos a Cachoeira do Amor. Ah se Lili soubesse! Para resumir. O pedal foi maravilhoso e só posso contar que num lugar deserto derrubei Kanelinha de Ouro, ali mesmo, no chão da estrada.
- Zé, nunca vi uma história de pedalada igual a essa. Tá delirando! Isso aconteceu, mesmo?
O escritor tem o direito a usar o que se denomina de “licença poética”. Isto é, pode enfeitar um pouco a história. Ora, as resenhas das pedaladas são tudo a mesma coisa: subida, descida, tombo, brincadeiras, banho de cachoeira... Tá todo mundo cansado disso. Então, decidi apimentar a descrição do belo passeio de Valença. Mas 99% do que narrei foi verídico. Esta, usina hidroelétrica Santa Rosa, foi uma das primeiras, no Brasil.
Realmente planejei e consegui ir pedalar nas belas terras dos antigos barões. No caminho para Rio das Flores deixamos o asfalto e andamos por caminhos maravilhosos. Na foto, o lugar onde abandonando o asfalto tomamos à esquerda entrando por caminhos de fazenda.
Também é fato que convidei meus colegas pra me acompanhar e cada um [como diria Nosso Senhor: ciclistas de pouca fé!] temeram a solina braba e não foram. Ao contrário, a pedalada foi feita sob um céu encoberto e com uma aragem fresca que não nos deixou cansar, mesmo o simples pedal tendo virado um “pedal do ZéAdal”, daqueles que não acabavam mais. Foram comigo João2010 e Marcinho. Juntou-se a nós o grande parceiro Nilson. Nesta foto passava-se por um mata-burro invertido, feito para impedir que os animais saiam para estrada é perigosíssimo para um ciclista desavisado.
Também é inteira verdade que marquei me encontrar com um desconhecido usando o Facebook. Mas foi o professor Paulo Renato que me recebeu cercado dos excelentes amigos: Henrique, Márcio, Otacílio, Pacífico e Éder. Gente feliz e brincalhona.
Pedalando, quantas coisas vimos e quanta amizade fraterna desfrutamos. Como é legal chupar jaboticaba madura e docinha diretamente do pé! Passamos por fazendas e usinas elétricas antigas, desfrutamos de uma cachoeira maravilhosa e rodamos por muita, muita estrada da roça nós rodamos.
- Zé, e essa invenção de derrubar Kanelinha de Ouro na estrada deserta?
Em parte foi verdade. O amigo Otacílio, grande conhecer da legítima bebida nacional envelhecida, quando me passou seu e-mail aparecia a palavra Kanella, associei com a parte da anatomia e imaginei logo uma bela ciclista que se chamaria Kanelinha de Ouro. Infelizmente, logo depois da fazenda Pau-d’Alho, ao desviar de um buraco, entrei na frente do colega que, clipado [preso ao pedal pela sapatilha] foi ao chão. Tudo verdade, ou quase.