bikenauta

Abril 25 2012

Entre as cidades mineiras de São João Nepomuceno e Astolpho Dutra existe uma serra imponente.
De carro, para ir de uma a outra, rodeia-se a serra e é belo espetáculo ver seus
dois picos gêmeos tendo como fundo o céu azul. Mas mesmo se propondo andar
1000km em dez dias os sete ciclistas de Volta Redonda decidiram cruzar a serrania, eu e João2010 os acompanhamos.

A bicicleta é uma máquina cujo motor é o próprio homem. Os primeiros motores não eram a explosão,
seus êmbolos, como as pernas de um ciclista, eram movidos pela força do vapor. Depois,
foram usados para mover trens e navios, mas foram inventados para puxar os carros
pesados de carvão pelos túneis das minas até a superfície. Segundo filósofos pós-modernos
os motores irão diminuir de tamanho até se tornarem quase virtuais. Significa
isso que as bicicletas deixarão de existir? Provavelmente não. Elas provêm exercício,
contato com a natureza e têm em si mesmas uma atração arquetípica. É o centauro, que
também inspira motoqueiros e cavaleiros. Por essas e outras subimos a serra do Grama por puxados 15km.

Uma boa bike de mountain tem 3 coroas - as rodas dentadas que o pedal faz girar. A
maior dá velocidade enquanto a menor, como uma alavanca, multiplica nossa força.
Acoplada a roda traseira tem a relação com nove rodas dentadas, as marchas. A
coroa grande tracionando com a corrente a relação menor faz a bike voar. Quando
a coroa pequena está ligada a relação maior, a mega range, um bom ciclista como
Reginaldo quase sobe por uma parede. Subimos a serra do Grama variando as 27 combinações.

Logo que saímos de Descoberto começamos a subir. A foto mostra o pico nos
desafiando. Forcejando nos pedais enquanto as mãos mudavam as marchas vencemos o
primeiro tope. Era cedo e restos de nevoeiro se agarravam as matas dos grotões.
Então, andamos por um trecho plano e assim colocamos a corrente na coroa do
meio. Lá veio outra ladeira e a estrada entrou na área das quaresmeiras floridas.
O lilás das pétalas rebrilhava em tons de ouro.

Subimos rodeando as vertentes, o desgaste que as águas causam a montanha com o passar dos séculos. Subindo metros
com algumas pedaladas avançamos sem pausa. Os olhos ora aqui ora ali, na
velocidade em que íamos, podia admirar uma casinha branca cercada de flores, uma
cancela meia torta guardando uma vereda que se perde na sombra do arvoredo ou
uma cascata que dia e noite despeja uma água límpida e fresca.

Chegamos num altiplano, um vale cercado pelos picos. Rodava-se sobre uma terra preta.
Adiante, depois duma curva fechada iniciou um subidão. Contando assim você não
tem ideia da energia que gastamos, fazia uma hora que estávamos na serra. Graças
a Deus não teve descidas. Coisa ruim é a gente subir, daí descer pra tornar a
subir. De um sítio sairam vários cachorros que não se sabia se queriam brincar ou
enfiar os dentes na perna da gente. Os músculos reclamavam, fiozinhos de dor
corriam pelas coxas. Levantando os olhos já se via a brecha por onde passaríamos
para o outro lado da serra. Como ninguém é de ferro paramos para chupar mixirica doce e pegar água.
Enfrentamos o avanço final e descemos serra abaixo com toda atenção as pedras e
valetas. Na descida não se usa a corrente que deve ficar posicionada sobre a coroa grande e a relação
menorzinha. Os pés estão presos aos pedais enquanto a bike pula feito louca e
os amortecedores fazem o que podem para diminuir os trancos nos pulsos e na
poupança. É uma beleza! Deu tempo até de dar um passeio a cavalo.

E a pedalada pelos caminhos das Gerais continuou.

publicado por joseadal às 09:46

Abril 23 2012

Toda noite Lili canta uma musiquinha para Malu dormir. Eu, do lado, escuto.

Serra, serra, serrador

Quantas serras já serrou,

Já serrou sete serras

Para meu amor.

A gente quase dormindo, não sei  Malu, mas eu imagino sete serras denteadas
iluminadas pela derradeira claridade do dia. Ah, pra que fico imaginando isso! O
que se pensa, acontece. [Descoberto, com um leve lençol de nevoeiro por cima, dorme entre as serras] 

Neste sábado, dia de Tiradentes, 21/04/2012, bem cedinho, eu
e João2010 pegamos um ônibus para Três Rios. Lá chegando tiramos as bikes do
bagageiro e atravessando a cidade corremos para Levy Gasparian. No viaduto que
atravessa a BR 040 esperamos nossos sete colegas que, um dia antes, iniciaram a
histórica pedalada de 10 dias por 1000km de caminhos de Minas Gerais. Em pouco
eis que surgem com sorrisos deste tamanhão. Entre muitos abraços, fortes apertos de
mãos e contagiante alegria os amigos que já passaram juntos por muitas
aventuras agora iam viver mais uma. [vê se tem alguém triste aí]

Comemos frutas na praça e sem perda de tempo atravessamos a
velha ponte de ferro de Serraria e entramos nas terras das Gerais. Oh mundo
bom, meu Deus!

A vida corrida ficava para trás ao passarmos com nossas
bicicletas pelos pastos verdes semeados de gado moroso, com uma casinha já com
a pintura amarelada pelo tempo e com janelas verdes desbotadas que nos olhavam
como moça da roça. Ao fundo uma serra formada há tempos incontável vigiava
nossa passagem. Tudo acalmava os espíritos dentro de nós. Terras das Gerais.

Pelos caminhos encontrávamos ciclistas. Cada dia mais pessoas descobrem o prazer de fazer exercícios ao mesmo tempo que curtem a Natureza.

Paramos numa vendinha para conversar, comer e beber alguma coisa. Daí seguimos pelas estradas sombreadas e assim foi até Pequeri,
cidadezinha hospitaleira e bem cuidada. Ali almoçamos fartamente e com calma.


Então tocamos para Bicas, acompanhados por quatro ciclistas recolhidos pelo
caminho, e lá chegamos com a tarde avançada. Muitas fotos e brincadeiras nos descansou e retomamos os
verdes caminhos para São João Nepomuceno.

Nem preciso dizer que subimos e descemos várias serras pelo caminho. Quando a noite nos alcançou trocamos a luz
do dia pelas lâmpadas da cidade. Encontrar hotel, tomar um banho demorado e
sair para uma ceia foi calmante e gostoso. Não era tarde quando em volta de uma
mesa fraternal sorvemos vaca-atolada bem quente acompanhada de bebida gelada
que aquecia o coração. Chovia mansamente. Depois o sono nos levou em seus braços.

Domingo, dia do Senhor. Depois de um bom café da manhã com
frutas e sucos saímos pedalando para enfrentar a serra do Grama. Foram 15km de
subida íngreme como convém aos caminhos de Minas. Depois de Descoberto vimos
os granitos negros aflorando em meio a matas agarradas aos sedimentos das
encostas, ao mesmo tempo fixando a terra e trabalhando e quebrando as pedras. O
homem em sua bike, forcejando para subir, é insignificante diante da majestade
daqueles morros.

Motos e raros carros passavam por nós, seus motores misturando
ao ar puro, leve e fresco, substâncias pesadas, cadeias de moléculas mal cheirosas
que tentávamos impedir de entrar em nossos pulmões sequiosos de ar. O caminho
fortemente inclinado dava voltas em torno das vertentes da serra.

Depois descemos como ciclopes voadores e chegamos em Astolpho
Dutra em tempo de ver uma cavalgada em homenagem a São Jorge. Almoçamos e
saímos tranquilos para outras cidades. No lugarejo Euzébia nos despedimos dos
colegas: João Bosco, Reginaldo, Peixe, Pedrão, Edinho, Nilson e Dunga. Com o
coração apertado os vimos seguir em suas bikes, pesadas pelos alforjes, em sua
longa jornada pelos caminhos de Minas Gerias.

Coube-nos correr para Cataguases e voltar a vida agitada das cidades procurando ônibus para voltar para casa.
Pelo caminho víamos as serras de Minas que pareciam nos acenar a luz que
esmacia. Caiu a noite e com ela veio o sono.

Chiu, que Malu também dormiu.   

publicado por joseadal às 14:20

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